Cinco Propostas Políticas para Impulsionar a Formação
A formação é uma das vias estratégicas mais poderosas para o desenvolvimento do país. As políticas públicas de formação, organizadas em torno do princípio do bem comum e negociadas com os diversos operadores do setor, para concertar interesses e necessidades, devem contribuir para o progresso das pessoas, das organizações e da sociedade.
Pela formação podem ser alcançadas três finalidades, em simultâneo, todas elas de importância vital para o futuro do país:
O formador tem um papel central e único na execução dos projetos formativos, quer sejam de iniciativa das organizações, das pessoas ou do Estado. O formador é o profissional especializado na criação e difusão do conhecimento necessário para a promoção da criatividade e da inovação, a melhoria da produtividade, a mudança da atitude e das mentalidades, a geração da confiança e da iniciativa e o reforço das qualificações.
Neste sentido, propomos Cinco Medidas de Política para Impulsionar a Formação.
A formação e o ensino profissional são realidades complementares mas distintas. Porém, elas aparecem na linguagem oficial pública confundidas e sobrepostas, por razões de política orçamental nas últimas décadas, assumidas por todos os quadrantes políticos.
O período escolar e académico diferencia-se da formação ao longo da vida e do exercício profissional. O ensino profissional visa atribuir uma habilitação escolar para o exercício de uma profissão. A formação permite a consolidação e o desenvolvimento continuado de competências pessoais e profissionais na vida adulta.
Assim, professores e formadores têm, na sociedade, um papel complementar e diferente, mas sem sobreposições, garantindo que os formadores intervém do lado do mundo do trabalho e os professores do lado do sistema de ensino que atribui graus escolares e habilitações académicas.
A distinção clara da diferença entre ensino profissional e formação permitirá, imediatamente, o fortalecimento das duas, nos seus âmbitos específicos, porque ambas são indispensáveis e de importância estratégica para o desenvolvimento do país.
Com esta clarificação conceptual e de linguagem, propomos que se proceda a uma distinção entre o que são as escolas do ensino profissional, geridas pelo sistema educativo, e a formação, que decorre no mundo profissional e do trabalho, do lado das organizações dos três setores de atividade, público, privado e social. Mesmo quando estas duas vertentes se tocam — e é desejável e benéfico que tal aconteça em inúmeras situações e contextos —a complementaridade garantirá uma natural transição entre ensino e formação ou vice-versa.
Neste sentido, o Estado deveria ser mais rigoroso ao distinguir quando contrata formadores e quando contrata professores, porque os contextos de atuação, as funções a desempenhar, os objetivos a atingir e as condições contratuais são, por natureza, diferentes. Infelizmente, pelas razões de política orçamental apontadas, é prática habitual do Estado contratar pessoas para exercer as funções de professor mas designá-las de formador porque isso lhe possibilita maior flexibilidade e menores custos contratuais.
O formador é o profissional que ajuda as pessoas a transformar novos conhecimentos e comportamentos em processos de inovação e melhoria, que acrescentam valor aos produtos, serviços e processos de trabalho, contribuindo para a realização humana de cada pessoa. A missão do formador tem um papel central e crítico no desenvolvimento das pessoas, das organizações e da sociedade, papel esse que não é substituível pela intervenção de outro profissional.
A formação é um motor impulsionador de desenvolvimento, da sociedade, das organizações e das pessoas. Porque a formação melhora a competitividade e a inovação nas organizações e promove a melhoria do desempenho profissional e da produtividade das pessoas e, em consequência, contribui para aumentar os níveis de realização pessoal e de bem-estar dos cidadãos. Por essa razão, entendemos e propomos que as políticas públicas de formação sejam geridas a partir do Ministério da Economia, por uma secretaria de estado que lhes esteja dedicada.
Esta proposta implica uma acentuada mudança de concepção e de rumo das políticas de formação que têm sido seguidas nos últimos trinta anos, no nosso país. Sendo planeadas e geridas pelo Ministério da Economia, as políticas públicas de formação passarão a estar direccionadas para a promoção do desenvolvimento do país e centradas na resposta às necessidades estratégicas que este implica. Deste modo, passará a existir uma verdadeira política de formação e não apenas uma política para a formação.
De facto, o modelo que existe actualmente orienta as opções políticas para o ensino profissional e para o desemprego, numa perspetiva assistêncialista. Com esta mudança, o ensino profissional passaria a ser gerido pelo Ministério da Educação, como é o seu âmbito natural, uma vez que atribui graus escolares, e conduzido exclusivamente por professores. Os desempregados e as pessoas que procuram novas qualificações continuariam a ser abrangidos pela formação — no modelo que propomos — mas tendo como objetivo o seu regresso e inserção no mercado de trabalho, através de acompanhamento e compromisso das diversas associações setoriais de empregadores. Ou seja, a formação será a via privilegiada de empregabilidade das pessoas, através da validação das necessidades formativas pelos empregadores setoriais e pela estratégia do país.
Em suma, esta nova orientação política da formação incluiria todas as vertentes actualmente existentes e alargaria o seu âmbito, para envolver todos os ativos, todas as organizações e todas as pessoas que pretendessem melhorar as suas competências, focando-as no contributo que podem dar para o desenvolvimento da sociedade e do país.
A legislação reguladora da formação carece, urgentemente, de modernização e de um simplex que contribua para a desburocratizarão do setor.
Ao longo das últimas décadas, foram sendo publicados, revogados e republicados inúmeros diplomas legais acerca das diversas vertentes da formação, mas de modo atomizado e desagregado, sem qualquer perspetiva de harmonização e coerência. Hoje, as empresas e os cidadãos que atuam no setor da formação, para se relacionarem com o Estado, são obrigados a interagir com diversos organismos públicos (IEFP, DGERT, ANQEP, ACT, IPQ, Programas Operacionais do FSE, só para referir alguns) e utilizar diversas plataformas informáticas que exigem informação repetida, redundante, contraditória e inútil.
Acresce o facto de, como é sobejamente conhecido no Estado português, estes diferentes organismos e plataformas não comunicarem nem interagirem entre si. Em consequência, as empresas são submetidas a uma pesada carga administrativa e burocrática, com custos significativos, que em nada contribuem para a qualidade da formação e desfocam o esforço de gestão dos resultados que é necessário obter com a formação.
Além disso, através da mesma legislação, o Estado isenta-se a si próprio das obrigações administrativas que impõe às empresas, como se os organismos e os trabalhadores em funções públicas não devessem, também eles, ter acesso e beneficiar de formação segundo padrões reconhecidos de qualidade. Ao contrário, a legislação deveria obrigar o Estado a ser o exemplo das boas práticas de gestão, de qualidade e rigor da formação.
Pensamos que o Estado deve ter, no setor da formação como em outros setores, um papel regulador que passará, sobretudo, pela definição de princípios de ação e de regras objetivas que empresas, cidadãos e o próprio Estado deverão cumprir. Para além disso, o mercado necessita de funcionar de forma aberta e livre, para que empresas e formadores possam conceber produtos formativos que respondam a verdadeiras e reais necessidades de desenvolvimento das empresas e das pessoas, e não a planos ou requisitos concebidos em gabinete numa perspetiva escolar e redutora. Os cursos do Catálogo Nacional de Qualificações, com as suas unidades formativas (UFCD’s de 25 e 50 horas), são o exemplo de um modelo formativo excessivamente rígido que dificilmente se adapta às necessidades de formação e desenvolvimento das empresas, num mercado fortemente competitivo e tecnológico, com mudanças muito rápidas a exigir adaptações constantes.
Esta clarificação do papel do Estado e das regras de funcionamento do mercado da formação, permitirá, também, que o Estado assuma integral e efetivamente o seu papel fiscalizador.
Neste contexto, propomos a reativação do conselho nacional de formação que, funcionando junto do conselho de concertação social, seja constituído por representantes de todos os operadores do mercado da formação e produza objetivos políticos de formação e recomendações legislativas com o compromisso dos parceiros sociais. Parece-nos de importância estratégica para o país que o código do trabalho venha a obrigar as empresas a disponibilizar formação, anualmente, a um terço dos trabalhadores e não apenas a 10% como atualmente.
Propomos, também, que seja eliminada a exigência do processo de certificação de entidades formadoras, tal como é realizada atualmente, e que esta seja substituída por normas emanadas do IPQ, o que permitirá nivelar as práticas de gestão da formação das empresas e do Estado português pelos mais modernos padrões internacionais.
Os fundos comunitários que, desde há trinta anos, sustentam o co-financiamento público da formação permitiram a expansão do mercado da formação e das práticas formativas no nosso país. Esse é um dado positivo inegável. Porém, nos últimos anos, verifica-se que um grande número de operadores do mercado da formação se tornou dependente deste financiamento público que é usado para custear a sua operação interna e, em muitos casos, sustentar a sua viabilidade económico-financeira. Deste modo, os dinheiros públicos são desviados do seu destino natural que é o de promover a realização de ações formativas.
Na atualidade, impõe-se a emergência de um outro modelo de incentivo financeiro público à formação que permita a autonomização das empresas e particulares da dependência do Estado. Para lá de outras formas de financiamento julgados oportunas pontualmente, o papel financiador do Estado deveria estar apoiado num modelo de incentivos fiscais. Propomos que os custos da formação, de empresas e particulares, sejam consideradas como um crédito fiscal no valor de 150% a deduzir nos impostos devidos. Ao estar menos dependente das ajudas públicas, o mercado da formação ficaria mais robusto e competitivo e, ao mesmo tempo, com maior potencial para gerar uma oferta diferenciada e de valor reconhecido pelo mercado. Em suma, haveria condições para mais e melhor investimento no setor da formação.
Num outro sentido, o cheque-formação é uma medida de financiamento público à formação que tem sido usada com um sucesso muito limitado nos últimos anos. Estas limitações devem-se às suas regras administrativas, mas também aos âmbitos formativos e área geográficas onde pode ser usada pelas pessoas ou empresas e que são impostas pelo Estado, limitando as opções individuais. Considerando o que propusemos acima, pensamos que esta medida deveria estar vocacionada para os portugueses que estão em situações de maior vulnerabilidade, como são os desempregados de longa duração.
Propomos, também, que os formadores com habilitação profissional reconhecida e que trabalhem de forma independente, sejam isentos de cobrança de IVA, tal como as empresas de formação certificadas já estão isentas pela legislação em vigor. Esta isenção aplicar-se-á aos titulares de rendimentos profissionais com atividade de prestação de serviços, principal ou secundária, na categoria 8011 – Formadores do CIRS, tal como esta isenção de aplica a outros profissionais noutros setores de atividade.
A não existência desta isenção tem criado assimetrias na contratação de formadores para projetos formativos com financiamento público e significativos constrangimentos de tesouraria às empresas de formação. Estas optam por contratar formadores que não estão abrangidos pelo pagamento de IVA, que assim representam um custo menor, preterindo os formadores mais requisitados pelo mercado e com mais experiência. Em consequência, as organizações que beneficiam destas formações têm menos oportunidades de acesso aos formadores mais experientes do mercado.
A profissão de formador atingiu um nível de maturidade incontornável. O formador exerce funções diferenciadas e exclusivas, organizadas em redor de um corpo de conhecimentos fundamentados nas ciências da formação e da andragogia, actuando no âmbito específico da formação de adultos.
Em Portugal, no seguimento da integração europeia, foi publicada legislação que regulou aspetos fundamentais do trabalho do formador, instituindo a garantia de que é uma profissão qualificada e com um elevado grau de especialização. Com a ajuda dos fundos comunitários, foram certificados mais de 380 mil formadores em todos os setores de atividade. Hoje, os formadores constituem um dos maiores recursos de desenvolvimento ao dispor das pessoas, das organizações e do Estado que se impõe valorizar e utilizar para o bem de todos.
Sustentadas na experiência e no saber dos próprios formadores, estão reunidas todas as condições para serem os formadores, enquanto grupo profissional, a assumir as competências do Estado, assegurando com autonomia a responsabilidade de gerir e fazer evoluir a profissão. Por estas razões, propomos a constituição de uma Câmara Profissional de Formadores.
Esta, tendo como horizonte de atuação o contributo da profissão para o bem comum, das pessoas e das organizações, da sociedade e do país, estabelecerá as condições técnicas, científicas e deontológicos de acesso e exercício da profissão de formador, assegurando elevados níveis de excelência de desempenho.
Desde já, e até à constituição da Câmara Profissional de Formadores, a Associação Profissional de Formadores está em condições de assumir, a nível nacional, a gestão do processo de emissão do Certificado de Competências Pedagógicas de formador (vulgo CCP), que é emitido pelo IEFP, de acordo com a legislação em vigor (Portaria nº 214/2011, de 30 de Maio).
Atualmente, já é prática habitual, o Estado contratualizar algumas das suas competências com organizações da sociedade civil quando tal facilita o exercício da soberania do Estado e agiliza a relação com os cidadãos. Ao longo dos seus cinco anos de existência, a Associação Profissional de Formadores demonstrou ter capacidade e experiência de gestão da profissão de formador ao criar o Sistema de Credenciação de formadores (que valoriza a experiência e assegura a formação contínua de formadores), ao redigir o Código Deontológico de formadores (que estabelece os princípios e regras éticas da profissão) e ao definir o Ato Formativo (que descreve a natureza técnica do processo da formação).
Estas ações, no seu conjunto, estabelecem os alicerces conceptuais e operativos da profissão de formador de um modo totalmente inovador no nosso país, mas de acordo com as exigências da sociedade do conhecimento e da economia digital no século XXI, incluindo novos standards para a formação inicial e contínua de formadores, que abrem vias para o desenvolvimento futuro da profissão.